segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Carta sobre a Felicidade


(Edição utilizada para estes comentários) EPICURO."Carta sobre a Felicidade". São Paulo: editora UNESP, 2002.

Carta sobre e Felicidade, esse é o título dado à carta que Epicuro (341-270 a.C.) escreveu a Meneceu, seu discípulo.
Foi com certo pé atrás que resolvi lê-la…Desconfiança gerada não pelo lugar-comum de que a filosofia epicurista se confunde com o hedonismo (idéia quebrável com a leitura desta carta), mas pela crença de que a felicidade total é inalcançável e mesmo indesejável, assim como um suposto equilíbrio eterno do espírito. Não enxergo a felicidade e a harmonia como um fim último na vida do ser humano. Tal fim nunca se daria, até mesmo pela existência constante de ciclos pelos quais todos aqueles que não se acomodam passam…Ciclos que representam travessias, superações e que envolvem dores, angústias…
A trilha do auto-conhecimento é eterna, não devemos criar expectativas de concluí-la para podermos ficar em paz, para sermos felizes, adquirindo o que Epicuro chama de “saúde do espírito”. Mas podemos, sim, tornar essa caminhada mais compreensível e encará-la com mais maturidade e autonomia. É neste ponto que entram as contundentes recomendações epicuristas, desmontando minha desconfiança.
Para Epicuro, a felicidade do homem deve ser a finalidade da filosofia e para que o homem atinja uma vida feliz, ele precisa meditar sobre alguns assuntos…

A MORTE
“A morte não é nada, visto que todo bem e todo mal residem nas sensações, e a morte é justamente a privação das sensações”(Epicuro,p.27)
Na carta, fica claro que a morte não deve ser perturbadora para o sábio, até mesmo porque “quando estamos vivos, a morte não está presente, quando a morte está presente, nós é que não estamos”(p.29). Sem mais se afligir com a morte, o homem pode fruir a vida efêmera como é, ” sem querer acrescentar-lhe tempo infinito e eliminando o desejo de imortalidade”(p.27). Assim, “o sábio nem desdenha viver, nem teme deixar de viver; para ele, viver não é um fardo e não-viver não é um mal”(p.31).

O FUTURO
“O futuro não é nem totalmente nosso, nem totalmente não nosso, não somos obrigados a esperá-lo como se estivesse por vir com toda certeza, nem nos desesperarmos como se não estivesse por vir jamais.”(p.33)
Epicuro preserva a força da vontade humana no desenrolar da vida,  fugindo de fatalismos ao mesmo tempo em que admite a importância da sociedade e da consciência moral.

PRAZER E DOR
“Todo prazer constitui um bem por sua própria natureza; não obstante isso, nem todos são escolhidos; do mesmo modo, toda dor é um mal, mas nem todas devem ser sempre evitadas”(p.39)
É aqui que ele se distancia do hedonismo, do prazer como bem supremo. Ele busca critérios de benefícios e danos e de qualidade invés de quantidade. Assim, muitas dores são necessárias e muitos prazeres indesejáveis para uma vida mais saudável.

DESAPEGO
“desfrutam melhor a abundância, os que menos dependem dela.”(p.41)
Devemos nos habituar às coisas simples, pois sem a exigência pelo luxuoso e abundante aprende-se a valorizar o pouco quando é o que se tem e a lidar melhor quando se tem o excesso. “Os alimentos mais simples proporcionam o mesmo prazer que as iguarias mais requintadas, desde que se remova a dor provocada pela falta”(p.41).

A PRUDÊNCIA
“exame cuidadoso que investigue as causas de toda escolha e de toda rejeição e que remova as opiniões falsas perturbadoras do espírito”(p.45)
É esse exame cuidadoso que Epicuro considera o princípio e o supremo bem, a partir do qual surgem todas as outras virtudes.
___________________
Por fim, concluo como concluiu ele próprio e que façam vocês o proveito que acharem cabível de todas essas sábias palavras.

Epicuro. Fonte:Google images.
“Medita todas estas coisas (…) e viverás como um deus entre os homens. Porque não se assemelha absolutamente a um mortal o homem que vive entre bens imortais.”(p.51)


Comentários traçados em 2010.

As máquinas e o amor aos livros

“A máquina não é senão uma nova ferramenta inventada pelo homem, que a maneja como quer.”
                                                                                       Rubens Borba de Moraes


Hoje, os incunábulos -primeiras obras impressas a partir da invenção da tipografia, por volta de 1445, até o ano de 1500-  , obras de indiscutível raridade, são alvo de desejo de qualquer amante de livros. Porém, os primeiros impressos foram renegados por contemporâneos à sua origem.

Muitos que assistiram o nascimento da tipografia viram com desconfiança a impressão. Consideravam a máquina algo “vulgar, imperfeita e menos nobre que a mão do homem” (MORAES, 2005, p.197). Tal preconceito pode ser comparado à crítica mais recente em relação à produção em massa de livros. Hoje, não são mais os incunábulos alvo de descrédito, pelo contrário, o que existe são “bibliófilos que desprezam os livros modernos, impressos mecanicamente aos milhares. Para esses amadores, só tem valor artístico o livro impresso à mão e tirado a poucos exemplares” (Idem, ibidem, p.196).

Tais receios e desconfianças podem ser analisados à luz da célebre frase de Padre Claude Frollo no romance de Victor Hugo[1]: Ceci tuera cela. Isto matará aquilo, foi o que disse a personagem no século XV, após a invenção da tipografia, indicando, como analisa Umberto Eco, que “o livro vai matar a catedral, o alfabeto matar as imagens e incentivar a informação supérflua” (ECO, 2003, p.3). Talvez seja esse medo do novo, essa sensação de ameaça ao antigo e tradicional o que motivou e motiva tais  preconceitos.

Porém, apesar dessas críticas que circulavam os incunábulos e que podem ser vistas como influência no caráter longo e complexo da transição do manuscrito ao impresso (afinal, até o século XVI não era incomum a feitura de manuscritos), há sinais que indicam que a bibliofilia não rejeitou de todo a essência artística da tipografia. A arte tipográfica foi, inclusive, vista como uma arte hermética, para iniciados, que deveriam prometer segredo sob juramento.

É digno de nota também o primeiro incunábulo sobre bibliofilia, Philobiblon,de Ricardo de Bury, impresso em 1473. Foi elaborado ainda em forma de pergaminho, manuscrito em 1345, mesmo ano da morte de seu autor, beneditino inglês apaixonado por livros que fez questão de deixar registrada a maneira como deveriam dispor de sua notável biblioteca após sua morte. Leitura fundamental aos bibliófilos, trata de cuidados essenciais a serem dispensados aos livros, incluindo como estimá-los e até mesmo como compartilhá-los com estudantes. Sua obra está hoje também disponível em versão bilíngüe (latim e português) Philobiblon ou o amigo do livro, pela Ateliê Editorial, com tradução e notas de Marcelo Cid.

Percebe-se que não foi pacífica a aceitação da tipografia pela bibliofilia, assim como ainda hoje não é unânime a idéia de que “industrializar não é enfeiar” (MORAES, 2005, p.196).



Texto escrito tendo como estímulo trabalhos desenvolvidos na disciplina História do Livro e das Bibliotecas, cursada na UnB em 2010.

FONTES:
ECO, Umberto. Muito Além da Internet. Palestra na Biblioteca de Alexandria, no Egito, Dez/2005. Disponível no sítio: http://www.ofaj.com.br/textos_conteudo.php?cod=16 . Acessado em: 23 de julho de 2010.
MORAES, Rubens Borba. O Bibliófilo Aprendiz. 4ª edição. Brasília, DF: Briquet de Lemos/ Livros: Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2005.

[1] Notre Dame de Paris, romance de Victor Hugo que também ficou conhecido como O Corcunda de Notre Dame, publicado em 1831.