quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

O que os olhos não vêem...


Outro dia, naquele já falado ato de cavucar – desta vez os livros da família, deparei-me com um título que me chamou a atenção: Seus Olhos: depoimentos de quem não vê, como você nunca viu.

Trata-se de depoimentos de diversos deficientes visuais reunidos em fluente narrativa por Ana Lavratti e Paulinho Ferrarini. A obra integra um projeto maior de 2002 da Associação Catarinense para Integração do Cego (ACIC), uma sociedade civil sem fins lucrativos fundada em 1977 cuja sede localiza-se em Florianópolis. 

O trabalho desenvolvido pela Associação impressiona. Consiste em atendimentos psicológicos e orientadores; treinamentos, alguns cuja existência eu desconhecia completamente, como escrita cursiva para cegos ou técnicas de Sorobã (aparelho para cálculos); apoio pedagógico e tecnológico e até mesmo alojamento para os alunos com dificuldades de locomoção.

Mas longe de ser apenas um panfleto institucional, o que mais chama atenção mesmo são os depoimentos recolhidos. Você já parou pra pensar na visão de mundo de uma criança de sete anos cega de nascença? “Além das pessoas eu não queria ver nada. Eu vou ver objeto? Não. Pra quê? É só ir lá e passar a mão!”, diz ela. E no que tem a dizer uma mulher com quase 40 anos que aos 15 perdeu a visão, o paladar e o olfato por conta de um tiro que se deu na cabeça no dia da sua festa de debutante? “Eu digo que esse foi meu presente de 15 anos. Eu levo na brincadeira, porque graças a Deus estou bem”. Ou em como se sente um homem que aos 26 anos, quando sua filha única não tinha nem completado um ano, perdeu a visão jogando futebol? “A gente tem que viver da melhor forma possível. Mas dizer que aceita a cegueira, que vive muito bem assim, que é feliz, isso não existe...”.

São dignas de nota ainda a edição sinestésica do texto, as folhas cuja textura parece a das de revista, as informações médicas e estatísticas nos rodapés, a legislação sobre o assunto anexa... Há também a lembrança que o livro me trouxe de uma reportagem da Revista Campus Repórter da UnB, nº 6 de 2010, sobre a audiodescrição, recurso desenvolvido nos EUA desde a década de 1980 e que chegou ao Brasil em 2003 no Festival Assim Vivemos facilitando a acessibilidade dos deficientes visuais ao cinema e demais produtos audiovisuais. Lembrei também daquela biblioteca Braille no centro de Taguatinga, você conhece?

Não se trata de um manifesto piegas em defesa da diversidade, mas sim de uma complexificação de questões que parecem às vezes banais. Com essas leituras, ficou claro pra mim como nossos preconceitos em relação às limitações alheias ofuscam as nossas próprias.

Curiosa e finalmente, enquanto ainda digeria as últimas páginas do livro, ressoou no primeiro jornal local da manhã: “Deficientes visuais encontram dificuldades em entrar em táxis com cão-guia”... 

Referências:

FERRARINI, Paulinho & LAVRATTI, Ana. Seus Olhos. Joinville, SC: Letradágua, 2002.

BANUTH, Patrícia & MARQUEZ, Marina. Enxergando o invisível. In: Campus Repórter, nº 6. Brasília, Universidade de Brasília, 2010.

Links:



terça-feira, 22 de novembro de 2011

Aconteceu: Centenário de Eudoro de Sousa

Há 11 dias, no dia 11 do 11 de 2011, encerrou-se o encontro de celebração do centenário do pensador português cujos traços ainda rabiscam os horizontes de Brasília: Eudoro de Sousa.
Eis aqui alguns registros meus... (clicando nas fotos, abre-se uma janela para vê-las maiores)
Divulgação do evento: 10 e 11 de novembro de 2011
no Auditório 2 Candangos da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília.

Mesa 1: Memórias. Com Ordep Serra, Maria Paula Vasconcelos ,
 José Santiago Naud e João Ferreira

Mesa 2: Filosofia Neo-helênica no Brasil e na América Latina.
Com Constança Marcondes César,  Júlio Cabrera e Bruno Borges
Mesa 3: Filosofia e complementariedade em Eudoro de Sousa.
Com Leonel Antunes, Walter Menon, Luis Suffiati e Hilan Bensuasan. 
Mesa 5: Helenismo e história. Com Eduardo Carreira, André Pontes Gaio e Marcus Mota.
Mesa 6: Mito e linguagem. Com Reginaldo Gontijo,
Francisco K e Ordep Serra



Confraternização de encerramento
e a circularidade em busca de sábias palavras...

... comidas, conversas...

... e livros...


Deste evento marcado pela diversidade de perspectivas, lamento não ter registros, entre outras coisas, em especial da Mesa 4: Mouseion Eudoro de Sousa, Com Pedro Mesquita de Carvalho, José Santiago Naud e Bruno Borges...

Para saber mais:
Blog do evento: 100eudoro.blogspot




segunda-feira, 31 de outubro de 2011

De banda de amor a filme coreano na Brasília tediosa.


Divulgação do show do Letuce

 Começou na sexta feira. Me convidaram para assistir a uma "banda de amor" no Balaio Café. Estranhei a definição, mas foi tudo que me disseram sobre a banda que rolaria. Pois bem, arrisquei.
A apresentação foi maravilhosa! A banda se chama Letuce, é do Rio de Janeiro e realmente "de amor" é a melhor definição. Mas não é um amor meloso e grudento, e sim belamente espontâneo, gostoso... A entrega dos músicos no palco é contagiante, sem falar na qualidade do som, do vocal...
Certamente saí de lá amando muito mais!



Sábado não resisti a outro evento musical pela cidade. Rita Ribeiro, Xangai e o ator Flávio Bauraqui numa bela homenagem ao mestre João do Vale no Teatro da Caixa
Cena do filme de Kim ki duk

No domingo a tardezinha, aproveitei o festival de cinema coreano no CCBB e assisti a um filme de delicadeza e profundidade raríssimas no cinema ocidental: Primavera, verão, outono, inverno e primavera, do cineasta Kim ki duk. Dele pouco devo falar, apenas recomendar, muito. 

Pra fechar o fim de semana... De leveza deliciosa, o musical sobre Nara Leão.  


E há quem, invejando as capitais pomposas do sudeste, sinta-se entediado em Brasília....
Claro que nem tudo são flores... Os eventos por aqui ainda estão centralizados no plano piloto enquanto espaços de enorme potencial como o Teatro da Praça em Taguatinga, ou o Teatro Newton Rossi no SESC da Ceilândia são tão pouco frequentados. Também é de se criticar a dominação dos espaços privados na cena cultural da cidade, quando espaços públicos privilegiados como a Esplanada dos Ministérios são majoritariamente destinados ao pão e circo dos shows caríssimos do GDF ou então encontram-se esquecidos como a Biblioteca Demonstrativa

Mas, na boa, o tédio está é no vazio da cabeça alheia.


sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Microconto II (Agora sim, micro)

Fim de expediente

As luzes dos postes davam lugar à luz do sol, e ela só queria chegar em casa e fechar as cortinas.


(Microconto I)

terça-feira, 25 de outubro de 2011

O boi irado, a criança e o susto. 2 vídeos.


       Dia 08 do corrente mês, o grande Boi de Seu Teodoro de Sobradinho fez uma belíssima e empolgante apresentação no Festival de Cultura Popular na FUNARTE (Brasília).
Dois registros eu gostei de ter feito e venho compartilhar...

Neste primeiro o boi faz a festa!
Levantando poeira no meio do público o boi desfila suas peripécias e valentia especialmente contra o vaqueiro que quer matá-lo para saciar os desejos de sua esposa grávida.


O Boi irado


Já neste segundo.... A festa é das crianças! Lindíssima a interação do boi com a criança que de tão pequenina mais parecia um mascote do grupo. Bonita também foi a interação das crianças mais velhas com as mais novas, passando aquilo que sabem dos instrumentos, da movimentação... Brincando.
Mas nem tudo são flores... Este vídeo vai pela vídeocassetada! Não digam que sou má, foi só pelo inusitado da situação!
Vídeocassetada no Boi

E isto é só!
Curtam as cores e sons (na medida do possível, já que mais amadoras que a câmera e quem a empunhava não há!).


quarta-feira, 12 de outubro de 2011

O infantil estadunidense na 2ª Guerra Mundial, breve comentário.


Em tempo de guerra, nem os quadrinhos e animações infantis são inocentes, ainda mais em um país tão bélico quanto os Estados Unidos...

Sabe o Capitão América que há pouco estava nos cinemas?  Foi criado em 1941. No ano do ataque japonês a Pearl Harbour, Capitão América  com seu escudo patriótico já combatia os nazistas. Depois do fim do conflito, 1945, o personagem ficou esquecido por um tempo, mas ressurgiu na década de 1960 e até hoje luta pelo nacionalismo norte americano.

Já o simpático pato Donald foi criado antes da segunda guerra mundial, em 1934. Mas durante o conflito assumiu firme postura perante o nazismo. As imagens passadas pelo episódio de 1943 em que ele se vê como integrante do exército nazista são de ousada e surpreendente provocação. Já a forma como a liberdade estadunidense o liberta é quase um clichê.


Mas a propagação dessas imagens não deveria se limitar ao território do país. A América Latina também os preocupava. Afinal, é sabido o temor de que o avanço nazista seduzisse as terras de cá. Pois bem... Já viram algum filme da Disney estrear no Brasil antes mesmo das telas norte americanas? Pois aconteceu com o filme que apresentou ao mundo o papagaio Zé Carioca. Inspirado em um músico paulista, José do Patrocínio de Oliveira, o personagem malandro reúne características estereotipadas do brasileiro. O filme estreado no Rio de Janeiro em 1942 e nos EUA no ano seguinte começa com a sugestiva imagem de um aperto de mão e intitula-se “Saludos amigos!”.  

São só três exemplos aqui tratados superficialmente... Mas fica a lembrança pelo dia das crianças! E fiquem atentos, apesar do que andam dizendo por aí o Aurélio e o Houaiss, nem sempre o infantil e o inocente e pueril andam juntos... 

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Post Scriptum, vulgo P.S.

Réplica e tréplica sobre queimar um livro de auto-ajuda.




Camila Miranda disse...
Antes de pensar em queimar algum documento, reflito se este não serve para alguém, seja qual for o motivo. Quem trabalha nessa área cuja ferramenta é o registro impresso com o intuito da construção do conhecimento e saber está proibido de cometer um ato tão radical, pois estará interrompendo o ciclo: leitura, reflexão, construção do senso crítico.
Com assim? A Camila pirou? Não. Uma vez que acontece a queima estarei eu interrompendo a oportunidade de alguém ler e refletir se é bom ou ruim, por ela mesma.
Quem sou eu para ditar ou cessar possíveis leituras? Prefiro o método empírico de aprendizagem: ler e não gostar. Deixando assim a oportunidade do próximo tirar suas próprias conclusões.
Camila Miranda disse...
Dado o assunto, que na minha opinião é demasiadamente importante e oportuno (acho bacana discutir essas questões), indico ler ou assistir ao filme Fahrenheit 451. Muito bom!!



Clara Ramthum diz...

Tenho este filme! Muito bom mesmo!

Camila, também sou dessa área. Já salvei e cuidei de muitos livros, tentei concurso pra restauradora, trabalho constantemente com acervos, sei desse valor. Mas esta foi mesmo uma "performance". Com um significado: sacrifiquei algo por uma limpeza. Foi como um ritual, estava queimando a insegurança que faz as pessoas buscarem ajuda no mundo de fora invés de no interior. Nas palavras soltas dos outros...

Este livro, que fiz questão de nem mencionar qual é por não criticar o seu conteúdo em si, foi produzido em massa. Sei que ele ainda vai circular muito. Quem quiser, o encontrará. Mas, veja bem, não nego que é um prejuízo para o potencial de leitura do meio como um todo. Por isso mesmo digo que é um s a c r i f í c i o . Mas é por uma imagem. Também se lê imagens, e creio que essa é uma bem forte e impactante. Ela também será lida e terá seu alcance.

Pense que dessa vez pode ter valido a pena...

Ousemos!

PS: Mas, clar@ , com moderação, muita!!
É muito bom fazer essa reflexão pra não virar apologia a queimas grosseiras de acervos, que eu sei que rolam, desprezo e condeno. Sacrifício torpe, por ignorância, por política... Assassinato de histórias, de passados possíveis...
Mas sempre há de sobrarem cinzas, rastros..!

PS.: Tu escreveu bonito!

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Cavucando ritmos e memórias...


“Em terra que tem minhoca e eu gostá de cavucar,
Ô de cavucar, criolá de cavucar.”
Clementina de Jesus

Recentemente, resolvi mexer nos vinis parados aqui de casa. Limpar, triar, organizar, catalogar, enfim, mexer, tirar do ostracismo a que estavam injustamente condenados. Não é querendo puxar sardinha para minha área de formação, mas o relato que segue poderia ser considerado um manifesto pró-organização de acervos, especialmente os particulares, de família, que guardam preciosidades inimagináveis...




Um primeiro ponto positivo está em conhecer-se. Entrando em contato com as marcas das histórias daqueles discos, deparei-me com memórias de família. Assinaturas de tios marcando a posse, dedicatórias de ex-namoradas apaixonadas de meu pai... Fora o desgaste de cada um, os remendos nas capas... Dá pra imaginar quais foram mais tocados ou mais bem cuidados. E quão especial foi rever os discos de músicas infantis e historinhas que eu tanto ouvia. Em um deles encontrei na capa riscos que parecem minhas primeiras tentativas de escrever meu nome. Impagável!



Os conhecimentos adquiridos com essa experiência vão além. Ouvi artistas que sequer sabia que existiam, como o simpático grupo Tarancón e os cantores populares Cascatinha e Inhana. Fora que os “bolachões” são em si fontes para estudo da época em que foram produzidos. Uma capa colorida com gírias ilustra a década de 1970, um compacto brinde de uma revista com a última entrevista de Lennon é um documento histórico que deve ter sido recebido com frisson no calor da morte do Beatle.



Elaborar uma tabela e fazer o catálogo fizeram parte do conhecimento técnico que adquiri. Sem falar na pesquisa a respeito de como limpa-los e ainda na que continuarei fazendo para restaurar as capas mais danificadas. O catálogo feito me permite ainda trocar informações com outros possuidores de LPs e EPs para intercâmbios, empréstimos, etc e tal.

Os próximos alvos são os VHS, CDs, DVDs, livros...

Parodeando a cantora carioca, cujo dom também passou despercebido por tanto tempo e nos presenteou com tanta riqueza quando tirado do limbo:
onde se tem poeira eu gostá de cavucar, ô de cavucar, criolá de cavucar...  ♪ ♫

(Veja aqui um vídeo em homenagem à Clementina de Jesus com a música a que faço referência. Ah se eu tivesse um vinil dessa mulher!)

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Nota: louvando o que bem merece...

O que o show de Mautner "homenageando" Raul Seixas teve de frustrante, a homenagem de Chico César a Torquato Neto teve de surpreendente na melhor acepção do termo.
A excentricidade espetacular do cantor paraibano com a firmeza doce da sanfona de uma bela moça (cujo nome infelizmente não encontro pela internet, tinha no folder, mas não o encontro!) fizeram uma verdadeira homenagem ao "anjo torto" piauiense. Com um livro de Torquato folheado no palco, mais vida ainda foi dada à apresentação.

Fazendo um mea culpa pelo projeto, Chico revelou que soube da necessidade de cantar músicas de Torquato em cima da hora, o que não lhe deu muito tempo para ensaio. Inclusive, ensaios entre ele e a acordeonista só puderam acontecer graças às chamadas da Web, ou seja, pelo tal Skype.
Provavelmente foi essa (enorme) falha de comunicação que gerou tamanho constrangimento na apresentação de Mautner. Por que isso não foi compartilhado com o público? Sabe-se lá. Só sei que foi para o próprio Mautner que pegou mais mal... Fico triste pelas pessoas que o conheceram naquela situação. Mas são longos anos de carreira, não será uma falha "técnica" que vai abalá-los.

Enfim, senti uma espécia de obrigação moral de fazer esta nota e o show desse fim de semana foi certamente digno dela.
No clima da Torquatália... "vou fazer uma louvação do que deve ser louvado (...) louvando o que bem merece deixo o que é ruim de lado".

domingo, 18 de setembro de 2011

Desabafo: um fiasco sem explicação...


“Que tal ouvir os rocks de Raul vibrando à toda nas cordas do violino de Mautner?”, propõe tentadoramente o folder do projeto Anjos Tortos – a MPB gauche na vida  do Centro Cultural Banco do Brasil.

Propaganda enganosa. O violino soou brilhantemente nas músicas de autoria do seu tocador, 99% do show. Mas a única coisa que as cordas de Mautner fizeram nas músicas do Raul foram zunidos da mosca na sopa quando estes não vieram desafinados da boca do cantor setentão carioca.

Falar em músicas de Raul no plural ainda é otimismo. Foram duas, apenas duas num show de 2h que se pretendia uma homenagem ao saudoso cantor baiano. Se algo de Raul foi ali homenageado, foi apenas a sua ebriedade. Ainda com muito otimismo, podemos fingir acreditar que os erros toscos cometidos nas letras dessas duas músicas quase clichês de tão conhecidas foram uma homenagem às famosas confusões que o “magro abusado” provocava em seus shows. Que nada... Tais erros não foram nada mais que a prova descarada de ausência de ensaios...

Risadas foram o que restaram aos que não abandonaram indignados o show pela metade... No fundo, só resisti pelo privilégio de ver artista de tal renome passar a vergonha que passou no palco.
Amanhã, Jorge Mautner terá a chance de seguir os conselhos de seu “homenageado” e tentar outra vez... Gostaria mesmo de saber no que vai dar.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Capoeira não é coisa do passado...

Outro dia me insinuaram certo desconforto com a ideia de praticar capoeira por considerarem-na anacrônica...
Podemos não ser escravos negros em canaviais, mas isso não torna a vivência da capoeira hoje algo vazio. Garanto que em todos nós há muitos entraves e correntes a serem quebrados. Em nossos corpos, mentes e almas.

Há uma ladainha (canto que abre as rodas de capoeira, geralmente com histórias de vida, lendas, orações...), cuja autoria desconheço, que fala com arrepiante sensibilidade sobre como Pastinha - mestre conhecido como fundador da Capoeira Angola - define essa dança/luta/arte sem esquecer suas origens, mas mostrando a amplitude de seus significados.

O vídeo amador gravado pelo grande amigo Felipe Néri com performance minha, angoleira pirralinha, está aí para situá-los na melodia gostosa desse canto... Há um vento que atrapalha por instantes, certa falta de jeito minha com o berimbau e até escorregão do câmera há, mas espero que o vídeo cumpra seu propósito.


Um dia, perguntaram a Seu Pastinha
O que era a capoeira
E ele, velho mestre respeitado
Ficou um tempo calado
Revirando a sua alma
Depois, respondeu com calma
Em forma de ladainha
A capoeira é um jogo, é um brinquedo
É se respeitar o medo
E dosar bem a coragem
É uma luta, é manha de mandingueiro
É o vento no veleiro
Um gemido na senzala
É um corpo arrepiado
Um berimbau bem tocado
O riso de um menininho
Capoeira é o vôo de um passarinho
Bote de cobra coral
Sentir na boca todo o gosto do perigo
É sorrir para inimigo no apertar a sua mão
É o grito de Zumbi ecoando no quilombo
É se levantar de um tombo
Antes de tocar o chão
É odio, é esperança que renasce
Um tapa que explode na face
E vai arder no coração
Enfim, é aceitar o desafio
Com vontade de lutar
Capoeira é um pequeno barquinho
Solto nas ondas do mar

                           Iê viva Pastinha! Iê, viva Pastinha, camará!

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Festa do Boi do Seu Teodoro - Um pouco da história...

Foto FCLopes do Correio Web . 

Já em 1961, no primeiro aniversário de Brasília, o Bumba-meu-Boi de Seu Teodoro floreou o acontecimento com bela apresentação a convite de Ferreira Gullar, segundo afirma Teodoro.

Em 1962, Teodoro Freire se mudou para Brasília e se tornou funcionário da então recém-nascida UnB, onde trabalhou por 28 anos e teve a oportunidade de conviver com diversos professores, especialmente dos institutos de Letras e de Ciências Humanas. Aqui, é irresistível destacar o nome de Agostinho da Silva, português fundador de importantes centros de estudo e universidades no Brasil, grande pensador, poeta e amante da liberdade.

Em 1963, foi fundada em Sobradinho a Sociedade Brasiliense de Folclore, Esporte e Tradições Populares, e, desde então, a capital conta com o privilégio de ter em suas terras essas manifestações tão ricas como o Bumba-Boi.

Tamanha honra a de poder contar com a presença do mestre maranhense, que, segundo o folclorista baiano Edison Carneiro [afirmado em carta(1962) à jornalista e então também funcionária da UnB Yvonne Jean], foi o primeiro a levar o Bumba-meu-Boi também a outras regiões do país, como ao Rio de Janeiro. Mas o reconhecimento deste presente não é diretamente proporcional ao seu valor, e não é com poucas dificuldades, mas sim com muita batalha, que essa tradição se mantém viva...
No próximo fim de semana (19/08 a 21/08/2011), já com seus 90 anos, Seu Teodoro terá a satisfação de ver realizada mais uma festa em Brasília, a 48ª Festa do Boi de Seu Teodoro- a matança do gado, que acontecerá no Centro de Tradições Populares em Sobradinho. Na morte do boi de 2010, ele não pôde estar presente pois encontrava-se internado por problemas de saúde...

Mais LINKS e FONTES:


- Foi utilizado material digitalizado a partir de pesquisa de integrantes do projeto Memória da Educação do Distrito Federal [UnB] no Fundo Yvonne Jean- Arquivo Público do Distrito Federal 


domingo, 14 de agosto de 2011

Microconto (?)

"Menino! O que foi isso?"
Pergunto inocente ao jovem paciente com a mão ensanguentada e o rosto todo machucado num sábado de madrugada.

"Violência.."
Respondeu desconcertadamente o rapaz, como quem diz "o que mais poderia ser?"

...

"Ah sim... Mas desculpe, estamos sem cirurgião."

Quisera eu ter fotografado a lua cheia desse sábado...
Quase caia no chão de tão rechonchuda...
Foto: Rogério Tomaz Jr. 
Entrou no carro dos amigos e seguiu em frente.


sexta-feira, 5 de agosto de 2011

25 anos da morte de Câmara Cascudo

Cascudo por Carlos Lyra
No último sábado, dia 30, fez-se 25 anos da morte do potiguar Luís da Câmara Cascudo. 
wikipedia revela que ele era jornalista, advogado, antropólogo, historiador ... Há quem o chame também de folclorista. Fato é que ele foi dos maiores estudiosos da cultura brasileira que já existiu. Se não foi o maior, certamente foi o mais marcante. 

Em uma pesquisa rápida em matérias como da Revista de História da Biblioteca Nacional (visualize aqui), vemos que seu nome é referência para diversos artigos que instigam qualquer um que seja um tanto curioso sobre nossa cultura.

Sem dúvida uma leitura fundamental e saborosíssima, que foge da chatice acadêmica. Eis aqui alguns títulos (e respectivas referências encontradas) entre as dezenas de sua autoria:

-Contos tradicionais do Brasil – (Col. Joaquim Nabuco), 1946 - Ediouro
-Geografia dos mitos brasileiros – Ed. José Olímpio, 1947. 2ª edição, Rio, 1976.
-Literatura oral no Brasil – Ed. José Olímpio, 1952 – 2ª edição, Rio, 1978
-Dicionário do Folclore Brasileiro – INL, Rio, 1954 – 3ª edição, 1972
-Dante Alighieri e a tradição popular no Brasil – PUC, Porto Alegre, 1963 – 2ª edição Fundação José Augusto (FJA), Natal, 1979 
-História da alimentação no Brasil – Ed. Nacional ( 2 vol) fev. 1963), 1967, (col. Brasiliana 322 e 323) – 2ª ed. Itatitaia, 1983
-Paliçadas e gases asfixiantes entre os indígenas da América do Sul – Ed. Biblioteca do Exército, 1961
-Os índios conheciam a propriedade privada – São Paulo, 1936
-Com Dom Quixote no folclore brasileiro – Rio de Janeiro, 1952
-Prelúdio da cachaça – IAA, (maio, 1967), 1968
-Rede de dormir – MEC (1957), 1959 – 2ª edição, Funarte/UFRN, 1983

[ Veja aqui a lista completa(?) - selecione "livros" no índice à esquerda ]








Além disso, não faltam obras importantes sobre ele, como um livro de depoimentos do fotógrafo amigo Carlos Lyra ou um de cartas trocadas entre Cascudo e Mário de Andrade publicado pela Global... Ai que coceira que dá na minha estante...
Devore o que puder e mantenha viva a essência desse grande mestre!

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Filosofias de hospital

         
         Era um dia normal, ou melhor, uma noite normal de plantão. A falta de médicos, enfermeiros desestimulados, pacientes nervosos, motoqueiros acidentados (em sua maioria, imprudentes), pacientes baleados e inúmeras reclamações de dores generalizadas.
O caso do baleado, não foi algo tão rotineiro assim... O paciente em questão foi levado pelo seu professor de capoeira, que recebeu o pedido de ajuda de seu aluno de 14 anos na porta de sua casa baleado no braço. Nesse registro, mais um elemento extracotidiano, o garoto só tinha o nome do pai. Em geral, por volta de dois terços das pessoas que registro só tem o nome da mãe. Enfim, como ia dizendo, tudo corria normalmente...

       Estávamos na labuta, eu e meu colega, M.
É um pouco mais novo que eu, pouca diferença, mas já suficiente para ele não se identificar com a geração da doce novelinha Carrossel. Cursa enfermagem e está se envolvendo em projetos de pesquisa na faculdade. Um rapaz bem humorado e disposto.
Eis que surgiram pensamentos que senti necessidade de registrar...

          Primeiro, Hipócrates.
M. apresentou-me uma idéia interessante deste considerado “pai da medicina”. O corpo tem total capacidade de auto cura. O que lhe falta é apenas tempo, oportunidade. Sempre admirei a complexidade do corpo humano, mas nunca tinha olhado por esse ângulo... O corpo sozinho curaria o ferimento à bala do braço do garoto, ele produz os elementos necessários... Mas não tem o tempo suficiente...

        Outra coisa interessante foi a sensibilidade no reconhecimento de que não se lê apenas palavras... As imagens também devem ser lidas. Não que isso tenha sido algo inteiramente novo pra mim, pode parecer mesmo óbvio. Mas achei curiosa a percepção disso na área da saúde. Foi legal ouvir o cuidado de M na leitura das feridas ilustradas no seu livro de enfermagem. As cores, a aparente textura, a tudo os olhos cuidadosos dos profissionais da saúde devem estar atentos. Olhos que inclusive brilham quando percebem nessa leitura que as coisas estão correndo bem e que a cura se aproxima.

          Por fim... Quando já falávamos na vida acadêmica e na disputa de egos que parece a ela inerente, veio a questão das gerações e da imortalidade.
A gana pelo reconhecimento por parte dos pesquisadores está ligada, ao nosso olhar, à única possibilidade que o ser humano encontrou de se imortalizar até hoje, através dos legados. Dependemos das gerações futuras para alimentar esse ego que se pretende manter vivo além do corpo. Para o acadêmico ambicioso, o presente não basta, há que lançar seu nome ao futuro. Na verdade, nem acho que isso seja exclusividade desses seres, mas que a carapaça lhes cabe bem, acho que cabe.

Já dentro da madrugada, chegou a hora do repouso...
E essa foi mais uma noite de sexta-feira na emergência de um hospital da periferia do Distrito Federal.     


(Baseado em fatos reais)

Estréia...



Clareia a luz da clarabóia e enxergo melhor meus próprios contornos.
Escritos, artes... 
           histórias, músicas, fotografias . . . , 
                                 são os feixes de luz.
Clareia, clarabóia!
  Expresse (C)clara!



(Foto minha. 18º andar, RJ)