quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

O que os olhos não vêem...


Outro dia, naquele já falado ato de cavucar – desta vez os livros da família, deparei-me com um título que me chamou a atenção: Seus Olhos: depoimentos de quem não vê, como você nunca viu.

Trata-se de depoimentos de diversos deficientes visuais reunidos em fluente narrativa por Ana Lavratti e Paulinho Ferrarini. A obra integra um projeto maior de 2002 da Associação Catarinense para Integração do Cego (ACIC), uma sociedade civil sem fins lucrativos fundada em 1977 cuja sede localiza-se em Florianópolis. 

O trabalho desenvolvido pela Associação impressiona. Consiste em atendimentos psicológicos e orientadores; treinamentos, alguns cuja existência eu desconhecia completamente, como escrita cursiva para cegos ou técnicas de Sorobã (aparelho para cálculos); apoio pedagógico e tecnológico e até mesmo alojamento para os alunos com dificuldades de locomoção.

Mas longe de ser apenas um panfleto institucional, o que mais chama atenção mesmo são os depoimentos recolhidos. Você já parou pra pensar na visão de mundo de uma criança de sete anos cega de nascença? “Além das pessoas eu não queria ver nada. Eu vou ver objeto? Não. Pra quê? É só ir lá e passar a mão!”, diz ela. E no que tem a dizer uma mulher com quase 40 anos que aos 15 perdeu a visão, o paladar e o olfato por conta de um tiro que se deu na cabeça no dia da sua festa de debutante? “Eu digo que esse foi meu presente de 15 anos. Eu levo na brincadeira, porque graças a Deus estou bem”. Ou em como se sente um homem que aos 26 anos, quando sua filha única não tinha nem completado um ano, perdeu a visão jogando futebol? “A gente tem que viver da melhor forma possível. Mas dizer que aceita a cegueira, que vive muito bem assim, que é feliz, isso não existe...”.

São dignas de nota ainda a edição sinestésica do texto, as folhas cuja textura parece a das de revista, as informações médicas e estatísticas nos rodapés, a legislação sobre o assunto anexa... Há também a lembrança que o livro me trouxe de uma reportagem da Revista Campus Repórter da UnB, nº 6 de 2010, sobre a audiodescrição, recurso desenvolvido nos EUA desde a década de 1980 e que chegou ao Brasil em 2003 no Festival Assim Vivemos facilitando a acessibilidade dos deficientes visuais ao cinema e demais produtos audiovisuais. Lembrei também daquela biblioteca Braille no centro de Taguatinga, você conhece?

Não se trata de um manifesto piegas em defesa da diversidade, mas sim de uma complexificação de questões que parecem às vezes banais. Com essas leituras, ficou claro pra mim como nossos preconceitos em relação às limitações alheias ofuscam as nossas próprias.

Curiosa e finalmente, enquanto ainda digeria as últimas páginas do livro, ressoou no primeiro jornal local da manhã: “Deficientes visuais encontram dificuldades em entrar em táxis com cão-guia”... 

Referências:

FERRARINI, Paulinho & LAVRATTI, Ana. Seus Olhos. Joinville, SC: Letradágua, 2002.

BANUTH, Patrícia & MARQUEZ, Marina. Enxergando o invisível. In: Campus Repórter, nº 6. Brasília, Universidade de Brasília, 2010.

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