Podemos não ser escravos negros em canaviais, mas isso não torna a vivência da capoeira hoje algo vazio. Garanto que em todos nós há muitos entraves e correntes a serem quebrados. Em nossos corpos, mentes e almas.
Há uma ladainha (canto que abre as rodas de capoeira, geralmente com histórias de vida, lendas, orações...), cuja autoria desconheço, que fala com arrepiante sensibilidade sobre como Pastinha - mestre conhecido como fundador da Capoeira Angola - define essa dança/luta/arte sem esquecer suas origens, mas mostrando a amplitude de seus significados.
O vídeo amador gravado pelo grande amigo Felipe Néri com performance minha, angoleira pirralinha, está aí para situá-los na melodia gostosa desse canto... Há um vento que atrapalha por instantes, certa falta de jeito minha com o berimbau e até escorregão do câmera há, mas espero que o vídeo cumpra seu propósito.
Um dia, perguntaram a Seu Pastinha
O que era a capoeira
E ele, velho mestre respeitado
Ficou um tempo calado
Revirando a sua alma
Depois, respondeu com calma
Em forma de ladainha
A capoeira é um jogo, é um brinquedo
É se respeitar o medo
E dosar bem a coragem
É uma luta, é manha de mandingueiro
É o vento no veleiro
Um gemido na senzala
É um corpo arrepiado
Um berimbau bem tocado
O riso de um menininho
Capoeira é o vôo de um passarinho
Bote de cobra coral
Sentir na boca todo o gosto do perigo
É sorrir para inimigo no apertar a sua mão
É o grito de Zumbi ecoando no quilombo
É se levantar de um tombo
Antes de tocar o chão
É odio, é esperança que renasce
Um tapa que explode na face
E vai arder no coração
Enfim, é aceitar o desafio
Com vontade de lutar
Capoeira é um pequeno barquinho
Solto nas ondas do mar
Iê viva Pastinha! Iê, viva Pastinha, camará!