segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Capoeira não é coisa do passado...

Outro dia me insinuaram certo desconforto com a ideia de praticar capoeira por considerarem-na anacrônica...
Podemos não ser escravos negros em canaviais, mas isso não torna a vivência da capoeira hoje algo vazio. Garanto que em todos nós há muitos entraves e correntes a serem quebrados. Em nossos corpos, mentes e almas.

Há uma ladainha (canto que abre as rodas de capoeira, geralmente com histórias de vida, lendas, orações...), cuja autoria desconheço, que fala com arrepiante sensibilidade sobre como Pastinha - mestre conhecido como fundador da Capoeira Angola - define essa dança/luta/arte sem esquecer suas origens, mas mostrando a amplitude de seus significados.

O vídeo amador gravado pelo grande amigo Felipe Néri com performance minha, angoleira pirralinha, está aí para situá-los na melodia gostosa desse canto... Há um vento que atrapalha por instantes, certa falta de jeito minha com o berimbau e até escorregão do câmera há, mas espero que o vídeo cumpra seu propósito.


Um dia, perguntaram a Seu Pastinha
O que era a capoeira
E ele, velho mestre respeitado
Ficou um tempo calado
Revirando a sua alma
Depois, respondeu com calma
Em forma de ladainha
A capoeira é um jogo, é um brinquedo
É se respeitar o medo
E dosar bem a coragem
É uma luta, é manha de mandingueiro
É o vento no veleiro
Um gemido na senzala
É um corpo arrepiado
Um berimbau bem tocado
O riso de um menininho
Capoeira é o vôo de um passarinho
Bote de cobra coral
Sentir na boca todo o gosto do perigo
É sorrir para inimigo no apertar a sua mão
É o grito de Zumbi ecoando no quilombo
É se levantar de um tombo
Antes de tocar o chão
É odio, é esperança que renasce
Um tapa que explode na face
E vai arder no coração
Enfim, é aceitar o desafio
Com vontade de lutar
Capoeira é um pequeno barquinho
Solto nas ondas do mar

                           Iê viva Pastinha! Iê, viva Pastinha, camará!

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Festa do Boi do Seu Teodoro - Um pouco da história...

Foto FCLopes do Correio Web . 

Já em 1961, no primeiro aniversário de Brasília, o Bumba-meu-Boi de Seu Teodoro floreou o acontecimento com bela apresentação a convite de Ferreira Gullar, segundo afirma Teodoro.

Em 1962, Teodoro Freire se mudou para Brasília e se tornou funcionário da então recém-nascida UnB, onde trabalhou por 28 anos e teve a oportunidade de conviver com diversos professores, especialmente dos institutos de Letras e de Ciências Humanas. Aqui, é irresistível destacar o nome de Agostinho da Silva, português fundador de importantes centros de estudo e universidades no Brasil, grande pensador, poeta e amante da liberdade.

Em 1963, foi fundada em Sobradinho a Sociedade Brasiliense de Folclore, Esporte e Tradições Populares, e, desde então, a capital conta com o privilégio de ter em suas terras essas manifestações tão ricas como o Bumba-Boi.

Tamanha honra a de poder contar com a presença do mestre maranhense, que, segundo o folclorista baiano Edison Carneiro [afirmado em carta(1962) à jornalista e então também funcionária da UnB Yvonne Jean], foi o primeiro a levar o Bumba-meu-Boi também a outras regiões do país, como ao Rio de Janeiro. Mas o reconhecimento deste presente não é diretamente proporcional ao seu valor, e não é com poucas dificuldades, mas sim com muita batalha, que essa tradição se mantém viva...
No próximo fim de semana (19/08 a 21/08/2011), já com seus 90 anos, Seu Teodoro terá a satisfação de ver realizada mais uma festa em Brasília, a 48ª Festa do Boi de Seu Teodoro- a matança do gado, que acontecerá no Centro de Tradições Populares em Sobradinho. Na morte do boi de 2010, ele não pôde estar presente pois encontrava-se internado por problemas de saúde...

Mais LINKS e FONTES:


- Foi utilizado material digitalizado a partir de pesquisa de integrantes do projeto Memória da Educação do Distrito Federal [UnB] no Fundo Yvonne Jean- Arquivo Público do Distrito Federal 


domingo, 14 de agosto de 2011

Microconto (?)

"Menino! O que foi isso?"
Pergunto inocente ao jovem paciente com a mão ensanguentada e o rosto todo machucado num sábado de madrugada.

"Violência.."
Respondeu desconcertadamente o rapaz, como quem diz "o que mais poderia ser?"

...

"Ah sim... Mas desculpe, estamos sem cirurgião."

Quisera eu ter fotografado a lua cheia desse sábado...
Quase caia no chão de tão rechonchuda...
Foto: Rogério Tomaz Jr. 
Entrou no carro dos amigos e seguiu em frente.


sexta-feira, 5 de agosto de 2011

25 anos da morte de Câmara Cascudo

Cascudo por Carlos Lyra
No último sábado, dia 30, fez-se 25 anos da morte do potiguar Luís da Câmara Cascudo. 
wikipedia revela que ele era jornalista, advogado, antropólogo, historiador ... Há quem o chame também de folclorista. Fato é que ele foi dos maiores estudiosos da cultura brasileira que já existiu. Se não foi o maior, certamente foi o mais marcante. 

Em uma pesquisa rápida em matérias como da Revista de História da Biblioteca Nacional (visualize aqui), vemos que seu nome é referência para diversos artigos que instigam qualquer um que seja um tanto curioso sobre nossa cultura.

Sem dúvida uma leitura fundamental e saborosíssima, que foge da chatice acadêmica. Eis aqui alguns títulos (e respectivas referências encontradas) entre as dezenas de sua autoria:

-Contos tradicionais do Brasil – (Col. Joaquim Nabuco), 1946 - Ediouro
-Geografia dos mitos brasileiros – Ed. José Olímpio, 1947. 2ª edição, Rio, 1976.
-Literatura oral no Brasil – Ed. José Olímpio, 1952 – 2ª edição, Rio, 1978
-Dicionário do Folclore Brasileiro – INL, Rio, 1954 – 3ª edição, 1972
-Dante Alighieri e a tradição popular no Brasil – PUC, Porto Alegre, 1963 – 2ª edição Fundação José Augusto (FJA), Natal, 1979 
-História da alimentação no Brasil – Ed. Nacional ( 2 vol) fev. 1963), 1967, (col. Brasiliana 322 e 323) – 2ª ed. Itatitaia, 1983
-Paliçadas e gases asfixiantes entre os indígenas da América do Sul – Ed. Biblioteca do Exército, 1961
-Os índios conheciam a propriedade privada – São Paulo, 1936
-Com Dom Quixote no folclore brasileiro – Rio de Janeiro, 1952
-Prelúdio da cachaça – IAA, (maio, 1967), 1968
-Rede de dormir – MEC (1957), 1959 – 2ª edição, Funarte/UFRN, 1983

[ Veja aqui a lista completa(?) - selecione "livros" no índice à esquerda ]








Além disso, não faltam obras importantes sobre ele, como um livro de depoimentos do fotógrafo amigo Carlos Lyra ou um de cartas trocadas entre Cascudo e Mário de Andrade publicado pela Global... Ai que coceira que dá na minha estante...
Devore o que puder e mantenha viva a essência desse grande mestre!

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Filosofias de hospital

         
         Era um dia normal, ou melhor, uma noite normal de plantão. A falta de médicos, enfermeiros desestimulados, pacientes nervosos, motoqueiros acidentados (em sua maioria, imprudentes), pacientes baleados e inúmeras reclamações de dores generalizadas.
O caso do baleado, não foi algo tão rotineiro assim... O paciente em questão foi levado pelo seu professor de capoeira, que recebeu o pedido de ajuda de seu aluno de 14 anos na porta de sua casa baleado no braço. Nesse registro, mais um elemento extracotidiano, o garoto só tinha o nome do pai. Em geral, por volta de dois terços das pessoas que registro só tem o nome da mãe. Enfim, como ia dizendo, tudo corria normalmente...

       Estávamos na labuta, eu e meu colega, M.
É um pouco mais novo que eu, pouca diferença, mas já suficiente para ele não se identificar com a geração da doce novelinha Carrossel. Cursa enfermagem e está se envolvendo em projetos de pesquisa na faculdade. Um rapaz bem humorado e disposto.
Eis que surgiram pensamentos que senti necessidade de registrar...

          Primeiro, Hipócrates.
M. apresentou-me uma idéia interessante deste considerado “pai da medicina”. O corpo tem total capacidade de auto cura. O que lhe falta é apenas tempo, oportunidade. Sempre admirei a complexidade do corpo humano, mas nunca tinha olhado por esse ângulo... O corpo sozinho curaria o ferimento à bala do braço do garoto, ele produz os elementos necessários... Mas não tem o tempo suficiente...

        Outra coisa interessante foi a sensibilidade no reconhecimento de que não se lê apenas palavras... As imagens também devem ser lidas. Não que isso tenha sido algo inteiramente novo pra mim, pode parecer mesmo óbvio. Mas achei curiosa a percepção disso na área da saúde. Foi legal ouvir o cuidado de M na leitura das feridas ilustradas no seu livro de enfermagem. As cores, a aparente textura, a tudo os olhos cuidadosos dos profissionais da saúde devem estar atentos. Olhos que inclusive brilham quando percebem nessa leitura que as coisas estão correndo bem e que a cura se aproxima.

          Por fim... Quando já falávamos na vida acadêmica e na disputa de egos que parece a ela inerente, veio a questão das gerações e da imortalidade.
A gana pelo reconhecimento por parte dos pesquisadores está ligada, ao nosso olhar, à única possibilidade que o ser humano encontrou de se imortalizar até hoje, através dos legados. Dependemos das gerações futuras para alimentar esse ego que se pretende manter vivo além do corpo. Para o acadêmico ambicioso, o presente não basta, há que lançar seu nome ao futuro. Na verdade, nem acho que isso seja exclusividade desses seres, mas que a carapaça lhes cabe bem, acho que cabe.

Já dentro da madrugada, chegou a hora do repouso...
E essa foi mais uma noite de sexta-feira na emergência de um hospital da periferia do Distrito Federal.     


(Baseado em fatos reais)

Estréia...



Clareia a luz da clarabóia e enxergo melhor meus próprios contornos.
Escritos, artes... 
           histórias, músicas, fotografias . . . , 
                                 são os feixes de luz.
Clareia, clarabóia!
  Expresse (C)clara!



(Foto minha. 18º andar, RJ)